SerfomanceP

A SerformanceP 2025 brota em São Bernardo do Campo como quem se debruça sobre uma cidade em disputa. Não apenas a disputa visível de interesses políticos, econômicos ou urbanísticos — mas também aquela que se dá no plano simbólico: quem narra essa cidade? De onde falam as imagens que a representam? Quais vozes são ouvidas, e quais são silenciadas?

Para compreender melhor o território onde se inscreve, a Mostra partiu de uma metodologia desenvolvida pelo pesquisador I. Trabuco (USP), originalmente aplicada à região do Largo do Arouche, e adaptou-a à complexa tessitura urbana e social de São Bernardo. A investigação, baseada em três frentes — plataformas digitais, marketing institucional/imobiliário e produção crítica (acadêmica, curatorial, militante) —, permitiu identificar quatro macro-narrativas que organizam os sentidos em disputa sobre a cidade. 


Transformações do trabalho: do chão de fábrica à economia 4.0

A narrativa mais arraigada é aquela que consagrou São Bernardo como Capital do Automóvel. O imaginário fabril moldou o orgulho operário, o traçado urbano e até a percepção de tempo — ritmado por turnos, greves, produção. Hoje, porém, essa narrativa convive com a crise do setor automobilístico e com tentativas de reposicionamento da cidade em direção a economias de logística, serviços e tecnologia.

Como essa história aparece na SerformanceP 2025 
Esta tensão se faz presente em “Equilíbrio Laboral”, performance de Rodrigo Pedro Casteleira, que percorre o corpo com gestos repetitivos até a exaustão, expondo as ruínas do automatismo produtivo. Já MURTA, com ARS, propõe um elogio crítico à arte como ofício insurgente — um novo tipo de “trabalho” que resiste ao apagamento poético das cidades industriais.

Fachada da antiga fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, atualmente desativada. O local deve ser ocupado por galpões logísticos. Fonte: print do Google Street View.


Movimentos sociais e disputa política

Aqui emergem as greves históricas dos metalúrgicos, que colocaram São Bernardo no mapa político nacional com figuras como Lula,  presidente do Brasil em três mandatos, incluindo o atual. Mas também os movimentos por moradia, como o MTST, e os embates partidários locais que atravessam o imaginário da cidade. Essa narrativa não é apenas memória: está viva em ocupações, marchas, denúncias. 

Como essa história aparece na SerformanceP 2025 
O cortejo de abertura da Mostra, com Jordina Ros e Pere Estadella, ativa essa camada ao percorrer o eixo simbólico entre o Parque da Juventude e o Paço Municipal. O próprio Paço — marco do modernismo paulista — é reapropriado como território de arte política, deslocando seu significado de “sede de poder” para espaço de manifestação estética.

Lula discursa a metalúrgicos de cima de uma mesa no estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, em assembleia que decidiu pelo início da greve. Foto: Fernando Pereira/CPDoc do JB


Memória popular e culturas dissidentes

A tradição operária e as festas populares (como o frango com polenta) dividem espaço com expressões como o hip-hop, o grafite e as batalhas de MCs, especialmente em regiões como a favela do Sapo. São Bernardo é também palco de tensões raciais, repressão à cultura de rua e disputas por pertencimento simbólico.

Como essa história aparece na SerformanceP 2025 
É nesse campo que se inscreve a presença de Reya Perovan, convocando memórias esquecidas do bairro do Sapo em um painel coletivo, e de IsTo, com sua ação entre grafite, canto e rito urbano. Ambos se insurgem contra o apagamento e fazem da arte uma forma de inscrição viva.

Encontro da Batalha da Matrix, evento de batalha de rimas que ocupa a Praça da Matriz. Foto: Daniel Oliveira


Cidade sustentável? Inovação urbana × conflitos ambientais

O marketing municipal apresenta São Bernardo como cidade “inteligente”, verde e inovadora — sede do MIT (Município de Interesse Turístico) e de parques bem cuidados. Mas as contradições emergem: a Represa Billings sofre pressões ambientais, a Mata Atlântica é recortada por obras viárias, e a desigualdade urbana se perpetua sob novos slogans.

Como essa história aparece na SerformanceP 2025 
As ações no Riacho Grande, especialmente “Translado” de Pio Santana e “Semeadouro” de Jéssica Cruz, colocam o corpo em diálogo direto com a paisagem natural e suas tensões. A represa, longe de ser apenas cenário turístico, torna-se palco de uma escuta ancestral, ecológica e crítica.

Atividades de educação ambienteal realizadas no Parque Estoril, às margens da Represa Billings. Fonte: Prefeitura de São Bernardo do Campo